Consumismo....

Bom, acho que eu nunca tive tanta vontade de encontrar um trabalho remunerado. Preciso fazer muita coisa e tudo o que eu preciso fazer, precisa ter dinheiro... Tudo no mundo gira em torno do dinheiro!!! Ai meu Deus! Se quiser ligar pra mim, pode ligar, mas talvez você não escute o que eu responder, preciso trocar meu celular que está com defeito! Mais dinheiro... Por isso achei bem oportuna a coluna de Frei Betto, do jornal Estado de Minas. Vou copiar alguns trechinhos e procurar um livro dele aqui na biblioteca pra ler, como é bom esse cara!

Consumo, logo existo
Ao visitar em agosto a admirável obra social de Carlinhos Brown, no Candeal, em Salvador, ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e hortaliças. "Quem trouxe a fome foi a geladeira", disse. O eletrodoméstico impôs à família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes etc.

Marx já havia se dado conta do peso da geladeira. Nos
Manuscritos econômicos e filosóficos (1844), ele constata que "o valor que cada um possui aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens. Portanto, em si o homem não tem valor para nós." O capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor social. Desprovido ou despojado deles, perco o valor, condenado ao mundo ignaro da pobreza e à cultura da exclusão.

Para o povo maori da Nova Zelândia, cada coisa, e não apenas as pessoas, tem alma. Em comunidades tradicionais de África também se encontra essa interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígene cultua uma árvore ou pedra, um totem ou ave, com certeza faremos um olhar de desdém. Mas quantos de nós não cultuam o próprio carro, um determinado vinho guardado na adega, uma jóia?


Assim como um objeto se associa a seu dono nas comunidades tribais, na sociedade de consumo o mesmo ocorre sob a sofisticada égide da grife.Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier; não se adquire um carro, e sim uma Ferrari.


Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura neoliberal nos faz acreditar que delas emana uma energia que nos cobre como uma bendita unção, a de que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos ricos, do poder. Pois a avassaladora indústria do consumo imprime aos objetos uma aura, um espírito, que nos transfigura quando neles tocamos. E se somos privados desse privilégio, o sentimento de exclusão causa frustração, depressão, infelicidade.


Agora, o sumpermercado suprime a presença humana. Lá está a gôndola abarrotada de produtos sedutoramente embalados. Ali, a frustração da falta de convívio é compensada pelo consumo supérfluo. "Nada poderia ser maior que a sedução"
- diz Jean Baudrillard - "nem mesmo a ordem que a destrói." E a sedução ganha seu supremo canal na compra pela internet. Sem sair da cadeira, o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja.

Vou com freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante ds lojas e contemplar os veneráveis objetos de consumo, vendedores se acercam indagando se necessito algo. "Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio socrático", respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era um filósofo grego que viveu séculos antes de Cristo. Também gostava de passear pelas ruas comerciais de Atenas. E, assediado por vendedores como vocês, respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz."


E FIM!

Dicionário Aurélio...
*Ignaro: Falto de instrução; ignorante, bronco, rude.
**Égide: Escudo; defesa, proteção. Abrigo, amparo, arrimo.




Jean Baudrillard: nasceu em Reims, na França, em 1929. Professor da Universidade de Nanterre, teve participação ativa nos acontecimentos de maio de 68, ano que marcou também o lançamento de O Sistema dos Objetos (Ed. Perspectiva). Se tornou conhecido como sociólogo dedicado aos estudos das relações entre a produção de bens materiais e o fantasma do consumo.






Frei Betto: Frei Betto estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia mas, ultimamente, é identificado como amigo e ex-assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é frade dominicano, escritor, crítico contundente do sistema político e econômico neoliberal em vigor.

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