10 - Poderia ter sido pior

Ouviu o barulho do carro e já sabia que era ele, não por ter reconhecido o barulho do motor, mas pela maneira de parar o carro. Chegou na porta e confirmou, era ele mesmo, não reconheceria de forma alguma se não o estivesse esperando. Pegou suas coisas e saiu. O cumprimentou com um beijinho no rosto, esses de lado, de bochecha, e um abraço atrapalhado. Ela tinha em uma das mãos a chave e na outra o celular, que quase caiu. Queria tê-lo abraçado fortemente e queria estar sentindo mais saudades do que raiva. Mas a saudade de duas, quatro, seis semanas já havia se dissolvido. Não podia negar que olhar o rosto dele, os olhos brilhantes, a derreteu um pouco. Sim, amoleceu. Mas queria ter sido recebida com um caloroso “oi bonita”, mas foi um caloroso “oi moça”.

Decidiram ir a um barzinho arrumadinho ali no bairro mesmo, pois ele não estava muito a fim de comida. Abriu a porta do carro pra ela, como sempre, evitando se encostarem. No carro foram conversando amenidades, nada de mais, falou sobre a seleção na agência que o prendeu toda a tarde e noite de sábado, que o impediu de encontra-la e fez com que fosse mais uma vez adiado o encontro, para este dia. Desceram do carro, ele ia abrir a porta pra ela, mas ela ainda não havia se acostumado com isso e acabou descendo antes que ele abrisse. Sentiu suas mãos dadas, talvez fosse essa a intenção dele, mas não ocorreu. Atravessaram a avenida em frente ao bar e entraram como dois, um casal talvez, ou apenas bons amigos. Eles ainda não sabiam o que era aquilo. Depois de tanto tempo, era exatamente esse o motivo do encontro, descobrirem o que eram um para o outro. Conversaram sobre várias coisas, ele perguntou como estava a vida dela, falou da dele, do curso que o obriga a assistir aula toda quinta-feira à noite tendo que viajar duas horas e meia até a capital, do pai que está se recuperando no interior... E sempre contido querendo tocar a moça, e não tocando como se se lembrasse um segundo antes de que não estavam juntos.

Ela estava meio debruçada na mesa, e conversando, ele deu um beijo para só depois perguntar se podia. Parecia que ele não estava se aguentando e tinha quase como obrigação roubar aquele beijo e foi justo ele que quebrou um pouco o gelo que separava os dois. Ela o achava uma graça, seu rosto iluminado não deixou que ela negasse mais uns beijinhos roubados durante a noite.


Foram embora, ele evitou A conversa, mas ela queria saber o que ele tinha pra dizer. Ele falou que não ia dizer nada antes que ela dissesse o que tinha para dizer também. Ela, por sua vez, disse que não tinha nada pra falar, que apenas queria ouvi-lo, entende-lo. Ele disse que não diria nada do que ensaiou. Ela era curiosa demais pra simplesmente deixar passar e dizer que estava tudo bem. Na verdade, ela cansou do discurso que estava tudo bem e queria respostas. Perguntou o motivo dele ter dito que estava com medo de conversarem e que não poderiam se ver antes da entrevista na agência "pois se ele chorasse não seria bom aparecer lá com os olhos inchados" - palavras dele. Ele respondeu que não sabia medo do quê exatamente estava sentindo e que não queria magoá-la, quanto ao chorar, ele não ia falar, mudou de ideia assim que a viu. Perguntou se ele sabia o que queria da vida e ele disse que mais ou menos, mas ela também não sabe bem o que quer... deu de ombros e o compreendeu. Quis ainda saber o que ele queria com ela, o que seria dos dois. Ele disse pra irem devagarinho pra ver no que ia dar, mas que não era um namoro.  Quando ela perguntou se então poderia sair e ficar com quem quisesse, e ele também, “É isso?”, ficou sério. Nunca havia o visto com aquela cara, que era sempre alegre e leve. Ele respondeu que era isso então, se ela quisesse que fosse assim. Ela falou que não fazia o tipo dela sair ficando por aí com qualquer um, que queria apenas entender, e ele disse que também não era assim, que ela o conhecia. Mas, não, ela apenas acha que o conhece, e isso é muito complexo. Relacionamentos...

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