13 - Espelho

Quero te contar uma coisa, uma coisa que aconteceu que me desconcertou um pouco, que me fez lembrar de você. Não precisava disso pra me lembrar da sua existência, mas eu preciso te contar.

Eu estava fazendo compras, olhando as frutas e cheirando as maçãs porquê gosto de fazer assim e normalmente faço isso quando me distraio e abstraio. Mas me dei conta de que eu não estava em casa, de que aquela terra não era a minha e que aquilo que eu fazia devia ser algo, até mesmo, contra as leis locais. Sei lá. Então percebi que havia uma mão feminina, delicada, escolhendo frutas ao lado do cesto em que eu escolhia as minhas. Me afastei, dei alguns passos para trás para observar o que ela fazia. Se cheirasse as frutas eu poderia continuar meu trabalho.

A mulher de trinta e poucos anos vestia um trench coat marrom claro, sabe o que é, é um tipo de casaco de brim, saia lápis, salto discreto, cabelos soltos ondulados e rosto cansado. Nem notou minha presença, ou eu nem fiz diferença no ambiente dela. O que de certa forma me fez gostar pois eu poderia observá-la escolhendo mais coisas e ver como uma amostra local se comporta fazendo compras. Tenho essa mania de antropóloga quando vou em um local novo, diferente. Meio estranho, talvez, mas eu sou assim.

Quando me afastei para observar a mulher, fiquei perto da porta do supermercado e, ali, a portinha se abria automaticamente. Era como uma cancela que se abre com a ativação de um sensor de presença, mas a cancela se abre para o lado, o que fez com que eu deixasse de olhar a mulher, para olhar o homem que entrava, pois a cancela bateu em uma das minhas pernas.

Eu não vi o homem, eu vi o olhar dele. Era como se eu conhecesse ele e isso me assustou um pouco porquê em milésimos de segundos eu tive a certeza de que conhecia aquele homem. Aquele olhar. O olhar eu conhecia, muito bem. Não estava comigo, eu quis que estivesse, mas não estava. Era exatamente como o seu. Abri meu foco para os olhos e tentei reconhecer, desfazer o embaraço da minha cabeça pois meu coração já estava acelerado pelo desconcerto de ter quase certeza de que eu o conhecia. Abri mais um pouco e vi o rosto. Não é ele, claro. Não, claro que não! Mas lembrava muito, era como se fosse uma versão italiana de você e o jeito que ele olhava, me guiou para o local onde ele fixava o olhar.

Ele entrou, passou pela cancela e, com segurança e aquele olhar, foi em direção à mesma mulher que me chamou a atenção. Ele a olhava como você já me olhou antes. Tinha uma dose de ternura e segurança naquele olhar que parecia só enxergar ela. Só ela! Eu tive ciumes daquele olhar. Eu tive inveja. Eu, como empata, senti o que o olhar dele transmitia e ele ia em direção àquela mulher com o coração cheio de amor e a certeza de que ela era dele, de que ele tinha aquela mulher, não como posse, claro que não! Mas ele a tinha. Eu desejei sentir aquilo de novo, mas que fosse um olhar voltado para mim e eu jurei não ficar tão séria e apática como ela ficou quando ele a segurou nos ombros e a beijou o rosto. Ela virou o rosto apenas um pouco e disse alguma coisa, ele continuou olhando da mesma forma e a respondeu baixinho. Continuou a olhando nos olhos e acariciou o rosto dela com o dorso dos dedos, mas ela continuou como estava, blasé. Ela tinha certeza do quanto ele a amava. Talvez ela estivesse com raiva dele, mas se estivesse, tudo o que ele desejava é que ela o perdoasse.

Comentários