Não tenho mais medo


Pode demorar a passar, mas é um dia de cada vez. Apenas fique em casa enquanto puder.


"Fiquei duas semanas me sentindo estranha. Tive crise de ansiedade. Não consegui estudar inglês, como estava fazendo há mais de um mês, diariamente. Não consegui fazer os resumos de uma aula que fiz. Não consegui estudar outras coisas, não consegui ler com consistência. Abusei do ócio criativo. Assisti muitas lives, tive acesso a muita informação. Senti saudades da Itália quase a ponto de chorar, como se minha terra fosse lá e não aqui. Senti a dor das perdas e do distanciamento que lá eles sentiram, antes mesmo disso chegar aqui. Evitei contato com as pessoas durante e depois do carnaval, eu não queria que o que aconteceu lá, chegasse até aqui, mas eu sabia que isso seria inevitável. Quando chegou, eu não tive medo da doença. Eu tive medo das pessoas não estarem preparadas para agirem de acordo. Tive medo das pessoas tomarem tarde demais a atitude que deveria tomar o quanto antes: isolamento. Tenho receio da recessão e pena de quem vai sofrer mais ainda com a situação. Estou preparada para viver com menos, adotar práticas minimalistas e estou tentando alertar quem vive comigo. Parece que estou sozinha, pois não escutam o que eu falo.

Eu sei o que vem, estou preparada para o que pode vir. Temo pelos que não sabem ou não querem saber."

Escrevi isso há algumas semanas. Já não tenho medo assim. Estou vendo como as pessoas estão reagindo a situação. Vejo os dois lados de abrir ou não o comércio. Vejo as pessoas nas ruas fazendo como se nada estivesse acontecendo. Não respeitando quem tem outro ponto de vista e não mantendo o distanciamento básico de um metro. Mas já não tenho medo. Estou fazendo a minha parte. As pessoas irão sofrer, mas quem está se calando ou fechando os olhos pra isso irá sofrer muito mais. É difícil negar a entrada de um intruso na sua casa se ele bateu na porta, você não ouviu e nem se importou se deixou a porta aberta. É isso. As pessoas não estão se importando como deveriam.

Artistas fazem lives de shows para que seus fãs possam curtir de casa e muitos desses fãs não entenderam bem a proposta, reúnem vários amigos em casa pra assistirem a um show que poderia cada um ver em sua própria casa. Eu não deveria me importar com isso... não me incomoda. É, não me incomoda mesmo. Me incomoda é ver 30 pessoas num lugar onde deveriam estar 3. Eu saber que aquilo respinga para vários outros que não têm nada a ver com o desrespeito e a falta de senso comunitário do sujeito que recebe os amigos e dos amigos que aceitam o convite.

Eu não tenho mais medo do que eu tinha. Eu tenho medo é das pessoas. Da ignorância no mais literal sentido da palavra. Se fossem inteligentes não precisaria ter que decretar isolamento social, fechamento de comércio não essencial, as próprias pessoas fariam o isolamento e evitariam sair de casa sem necessidade. Os empregadores teriam consciência e teriam feito o que fizeram antes de serem forçados: instituir home office para aqueles que fossem possível. Tem mais coisa envolvida, como a ganância. Não é uma 'gripezinha'.

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