Começar de novo, do jeito que dá

No início da pandemia eu estava negando meus problemas internos, continuei com minha rotina e devido à quantidade enorme de lives e cursos gratuitos que surgiram, achei que seria uma época ótima pra estudar e aprender mais. O tempo que eu gastava na academia seria substituído por exercício funcional e yoga em dias alternados. Antes de suar, iria meditar e ler um livro por pelo menos 20 minutos. 


As primeiras semanas foram ótimas, produtivas, aprendi muito, me exercitei, meditei, tomei sol ao fazer atividade física ou yoga. Lia enquanto tomava café aproveitando o silêncio da casa. Foram apenas duas semanas assim. Eu fiquei responsável por fazer compras, pois meus pais são idosos e se enquadram no grupo de risco, apesar do meu pai ter histórico de atleta e correr por uma hora até uns meses atrás. Mas eu peguei essa responsabilidade pra mim e organizei um esquema onde eu teria que sair a cada 15 dias. Até que um dia eu senti vontade de dormir a tarde toda, não tinha apetite para almoçar, estava procrastinando fazer as compras da semana. E não tinha saída, eu tinha que fazer o que devia ser feito. Eu ia na rua e me revoltava com o bairro cheio, as pessoas circulando como se não tivesse acontecendo nada, pessoas encostando umas nas outras e não respeitando a distância necessária. Ainda estava cuidando da casa, não eu exclusivamente, mas eu mais comprometidamente do que os homens moradores alheios ao esforço feminino. Eu literalmente surtei.

Percebi que além do peso que estava sobre mim, a responsabilidade de não transportar o vírus pra dentro da minha casa tendo que circular ao lado dele, estava me pesando por dentro. Eu não estava produzindo, trabalhava o que me pediam mas para mim mesma não saía nada. Escrever qualquer coisa seria muito confuso. Ainda é um pouco. Mas estou mais relaxada agora. Eu percebi o sentido dessa pandemia para mim.

Eu sempre disse que gostaria de viver em comunidade, de produzir meu próprio alimento. Que comprar pronto é ótimo, mas fazer é prazeroso. A troca de conhecimento e de produtos é muito recompensador. Me alimentar de animais é muito limitante e não gosto de nada que me limite. Nem dizendo "você precisa de 1kg de proteína animal por dia", nem dizendo "você não pode comer animais". Agora sou flex. Me esforço para não comer, mas se for um dia em que eu tiver vontade, eu comerei. Não posso me rotular vegetariana e outra coisa que odeio são rótulos... necessários e temidos rótulos. Mas isso foi o início do que me está trazendo de volta. Então ficou claro que tudo o que eu deveria ter feito há muito tempo é o que me traria o equilíbrio agora e que AGORA é a palavra que me centra e que seria a chave para meu desenvolvimento para o depois. Me esforcei para voltar à rotina de sono, com isso eu acordo mais cedo e, de novo, posso sentar ao sol para ler um livro enquanto tomo meu café. Se um dia me der vontade de fazer yoga ou meditação, farei.

Algo que estou sentindo muita falta e nunca imaginei que sentiria, é de correr, ou tentar correr... eu estava no processo, iniciando mesmo, mas tive que pausar e terei que passar pelo processo inicial outra vez. Mas é isso. Tivemos a chance de fazer o que DEVEMOS fazer durante a quarentena e que deveremos continuar após. Tivemos a chance de repensar, e começar de novo esse processo pois a quarentena está durando muito mais do que 40 dias. Que sorte a nossa de termos chance de repensar as atitudes, os pensamentos e sentimentos e, muitos de nós, estão simplesmente desperdiçando esse tempo. Agora é fácil começar de novo, do jeito que dá. Como posso. Pensar fora da caixa vai ser mais doloroso pra quem não saiu do casulo do egocentrismo agora. Vai doer, eu sinto muito por você. Mas eu tô bem comigo.

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