Elena Ferrante, eu te dou total liberdade

Capas de 3 livros de Elena Ferrante, sendo que em destaque à frente está A vida mentirosa dos adultos
A foto é do blog da Intrínseca, editora que publica os livros da Ferrante no Brasil.
https://www.intrinseca.com.br/


Você já leu Ferrante? Elena Ferrante. A escritora que ninguém sabe quem é, que ninguém nunca viu mas que muita gente já leu. Eu adoro os livros dela, acho muito bem escritos, boas narrativas, construção dos personagens excelente. São tão humanos que no final odiamos cada um deles. kkk

Comecei a ler A vida mentirosa dos adultos e me identifiquei com a personagem principal logo de cara, nasceu no mesmo dia e mês que eu, o nome dela começa com a mesma letra que o meu e ela estava sendo comparada com uma tia que ela nunca viu e que só ouvira seus pais falarem muito mal. A diferença desse último fato é que os pais a comparavam secretamente com a tia. Era sempre cochichando, falando baixinho e longe dela, quando pensavam que ela não mais estava ouvindo. O que fez com que ela criasse uma curiosidade enorme para saber a que, exatamente, ela estava sendo comparada àquela parente. Seria o comportamento ou a fisionomia? Ou os dois? 

No meu caso, minha mãe, sempre minha mãe, me comparava a uma tia dela. Na minha cara. Você vai morrer sozinha como a tia blabla que era amarga como você. Você vai ficar igual a tia blabla que tinha esse gênio ruim que você tem. Eu sabia que fisicamente era impossível eu ser igual a essa minha tia avó pois eu era idêntica a meu pai, em tudo. Isso foi minha mãe que me fez acreditar também. Que eu era a cara do meu pai (ok, isso todo mundo falava e sim, eu pareço com ele), que eu tinha o mau humor igual ao dele, que eu era ansiosa como ele, que eu me fechava como ele, que eu gritava, era gulosa, estranha e que eu nunca iria conseguir um namorado se eu continuasse como meu pai. Ah... é. Eu também ouvia muito que eu era dependente como a tia fulana, que não fazia nada sozinha. Isso porquê eu tinha 15 anos e nunca havia ido ao centro da cidade sozinha e queria companhia para ir a um lugar que eu nunca havia ido. Ou simplesmente porque eu sou uma pessoa que fala e que gosta de conversar e companhia. Era. Ainda sou às vezes. Outra frase recorrente era você terá que fazer dieta pro resto da vida ou ficará gorda como as mulheres da família do seu pai.

Qual o denominador comum disso tudo? Ela. Ela nunca me comparava a ela. Ela nunca era citada como exemplo ruim e como um traço negativo que eu poderia herdar. A família dela, mãe, pai, irmãos, só era citada como exemplo negativo no caso dessa minha tia que, assim como eu, tinha sim insegurança em ir sozinha em locais desconhecidos. Faltou a minha tia o que faltava para mim: acolhimento. Ela por ser filha de uma família numerosa de irmãos gozadores que tudo era brincadeira e que, o que chamamos hoje de bullying, era só um jeito de demonstrar carinho. Não liga pra ele, ele gosta de você e está só brincando. Basta você ignorar que ele para. Não, eles não paravam. Não seja boba, se deixa afetar por bobagem. Não, não era nada. E eu cresci no meio de primos educados assim também. Bom, algumas de nós quebrou esse ciclo e está educando os filhos de outra forma, mas isso é assunto pra outro post.

Minha mãe era muito organizada, fazia tudo sozinha, era muito inteligente, muito bonita, a única de olhos verdes entre os irmãos, se vestia muito bem, tinha bom gosto, etc. Ah Ferrante... Me ache e escreva sobre mim. Eu descontruí minha mãe há pouco mais de 10 anos. Que é quando a gente cresce e as idades deixam de fazer diferença. Quando você passa a enxergar os defeitos dos heróis da sua vida, dos exemplos, das pessoas modelo. Foi na mesma época que eu enxerguei como minha mãe havia sido tóxica a minha vida inteira, até ali, que ela era responsável pelo péssimo relacionamento que eu tinha com meu pai. É claro, eu não queria ser aquilo, então, eu me afastava daquilo, eu brigava com aquilo, eu odiava aquilo. Quando eu percebi, me libertei e vi que parte do que eu estava sendo comparada, julgada e conjurada de um futuro fatalmente horrendo, eram traços que ela tinha, medos que ela carregava de ser, ela mesma, vítima de tal destino.

Com isso, a relação com meu pai melhorou, eu consegui enxergar nele as coisas positivas que ela camuflava ou nem conhecia, pra dizer a verdade. E a relação com minha mãe continuou ruim como sempre foi, pois eu nunca confiei nela e não gostava de ouvir só coisas negativas a meu respeito. Eu podia ser um monte de coisas e ter sim esses trezentos defeitos que ela fazia questão de salientar, mas eu nunca fui boba. Aprendi a gostar de quem gosta de mim e me afastar de quem não gosta. Todos os sinais que ela passava era de que não gostava, por mais que ela teime em dizer o contrário. 

Então, se eu tiver que responder àquela pergunta hipotética de qual ator/atriz me interpretaria no cinema caso minha vida virasse um filme, eu ainda não sei responder. Mas quem escreveria a história, sim. Elena Ferrante. 

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