Diquinha de que você está no lugar errado, ou não.
Sonho em ter um carro que é bem mais caro do que o que eu dirijo hoje.
Nem é luxo não, é que o meu tá velho mesmo, fez 20 mas tá bonzinho da silva. Negócio é que, por esse motivo, eu não me sinto muito segura dirigindo ele e quero um carro mais alto, mais robusto. Enquanto eu dirijo esse velhinho, me imagino e me sinto dirigindo o que eu quero.
Precisei ir ao posto de saúde para uma consulta que eu havia marcado no dia anterior, um dia quente e ensolarado. O posto fica em um bairro ao lado do meu, bairro mais simples, com umas vielas e casas bem improvisadas. Com esse carro de agora, eu vou lá sem problema, não tenho medo de ser assaltada nem nada. Por ser um carro pequeno, consigo estacionar com mais facilidade. Pode ser preconceito meu? Pode, mas eu não me sinto segura nesse bairro.
Então, nesse dia caiu uma chuva tremenda e, por isso, eu tive que esperar a chuva parar para sair de casa. Quem é de BH sabe que essas chuvas alagam tudo e é melhor sair de casa apenas quando não tem outro jeito. A hora que saí de casa, parecia que havia passado um furacão, de tantos galhos e folhas pelo caminho. Fato é que, por causa da chuva, me atrasei. Cheguei ao posto e a rua estava só molhada. O pessoal lá não viu a chuva que eu vi, e as pessoas que estavam lá são de outra realidade que a minha. Dá para ver em tudo: no modo de falar, de se vestir, de se portar... e eu não estou dizendo que sou melhor, apenas que não é a minha realidade.
As pessoas que atendem de manhã são diferentes das pessoas que atendem à tarde. As da manhã são mais empáticas, parece que querem trabalhar. As que me atenderam à tarde não se deram ao trabalho de ver se a médica poderia me atender mesmo com o atraso. Mesmo tendo a explicação da chuva. Mesmo tendo uma pessoa literalmente à toa na recepção. Elas só me mandaram embora: "Tem que reagendar." "Próximo!"
Eu saí de lá com tanta raiva! "Vou reagendar b*sta nenhuma! Que raiva!" Só pensei, não falei, mas minha cara devia deixar bem claro o que eu estava pensando. Peguei meu carrinho e fiquei refletindo que eu não devia estar lá mesmo, que eu não deveria precisar desse atendimento, que o posto é para todo mundo, mas que eu não deveria precisar usar aquele posto.
Meu bairro tinha que ter um posto próprio. Todos os bairros ao redor têm posto próprio. Por que o meu não tem? Se tivesse, a prefeitura poderia contratar moradores do bairro, que têm mais capacidade, empatia, que sabem lidar com pessoas do meu nível social, que não tratam as pessoas com descaso... A explicação é que o meu bairro é "de rico", e rico paga consulta, não procura atendimento público. Eu não sou rica, mas moro em bairro de rico. Então eu moro no bairro errado ou não estou indo ao local correto.
Pobre não pode querer atendimento empático. Não, pobre tem que aceitar o que tem e pronto. Em posto de saúde, é pobre atendendo pobre. Isso é que é pior: eles não têm empatia nem com a classe deles. Isso é falta de consciência de classe e falta de humanidade. Mas eu saí com tanta raiva e fui dirigindo, pensando que realmente eu não deveria estar ali, que eu não deveria precisar ir ao posto de saúde.
Aí eu realizei: quem tem o carro que eu quero não vai ao posto.
Se eu quero ter esse carro, preciso me movimentar para conseguir várias coisas antes, inclusive pagar minhas consultas particulares. Isso pode ter sido uma alavanca para mim mesma, ou para a comunidade do meu bairro. Porque agora eu quero porque quero um posto para os moradores do bairro onde moro!
Comentários